Não tive a oportunidade de o fazer na data, mas não queria deixar passar em branco o desaparecimento de José Saramago, homem e escritor.
Confesso que não sou consumidor nem apreciador da sua obra. Do que tentei ler em diversas ocasiões e de diversos títulos, nunca gostei. E há impressões assim, imediatas. Ou se gosta ou não gosta. Uma espécie de contacto com água gelada ou a ferver, sem paciência e tempo para que ambas amornem e a leitura se torne tépida. Há na obra de Saramago algo de intragável, de ilegível e incompreensível e não resulta apenas daquela tempestade de vírgulas e pontuação destemperada. Não. Há algo mais.Talvez mal habituado a ler e a gostar da literatura balizada de Eça a Torga, passando por Lobo Antunes (este o meu Nobel) sem terem nada a ver entre si, nunca entrei nos carris que conduzem o vagão da interpretação à obra de Saramago, que dizem, e acredito, ser profunda e desmistificadora. Seja como for, o seu legado literário deve ser importante porque, para além de tudo, foi reconhecido pelos fazedores de nobeis e a malta da escola conhece-a à custa de tanto turrar nas memórias imemoriais do convento e Blimunda.
Saramago, como muitos escritores de referência, contemporâneos ou desaparecidos, para além da qualidade que certamente tinha, nunca se privou dos elementos que transformam a polémica e a controvérsia em notoriedade e por arrasto em vendas e êxito; e todos sabemos que o sucesso editorial nem sempre andou a par da qualidade ou merecimento, sobretudo nestes tempos das máquinas tentaculares do marketing e dos média onde qualquer autor medíocre (não Saramago) torna-se rapidamente num fazedor de best-sellers. Basta o clique, o tempo e o modo. Saramago ainda soube perceber isso e alguma da sua obra tida como marcante ou referencial advém de alguma ruptura de pensamento, umas vezes com ele próprio, outras, na maioria, com a sociedade e com alguns dos seus elementares valores, caso da Igreja católica. Saramago deixou à posteridade esse ensinamento, esse degrau necessário na subida ao altar do êxito, das vendas e da consagração, esta obtida sem dúvida pelo Nobel em 1998. Temos assim um Saramago antes e pós Nobel e nem poderia ser de outro modo, pelo que considero que o que produziu depois de laureado apresenta-se-me nitidamente como mais comercial.
Assim, vejo-o partir, ou deixar de estar, como dizia quanto à morte, ainda a meio de uma luta pessoal. Caím, foi apenas uma dessas batalhas; Porventura faltaria travar outras mas deixou a obra inacabada e certamente precisaria de mais longas vidas para almejar chegar perto do desfecho e da obtenção da serenidade, não esta que os próximos procuraram transmitir em letras de forma num pesaroso e discreto fundo negro. Não creio, assim, que tenha partido em serenidade, pelo menos espiritual ou algo parecido e adequado à sua condição de ateu confesso. Todavia, cumpriu com dignidade o seu percurso, sobretudo como homem, quiçá menos como autor, sendo que no fundo, acertadas as contas, desaparece o homem mas permanecerá o escritor.
Para além destas considerações pessoais, só isso, Saramago, goste-se ou não, para o presente e futuro, será certamente um dos nomes grandes e de referência da nossa literatura e não se gosta menos desta por se gostar menos daquele e vice-versa.
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